Necessária Solidão?
Sem dúvida você já ouviu por aí que momentos de solidão na vida de qualquer pessoa são necessários. Que para ser feliz a dois, primeiro, é preciso ser feliz sozinho. Mas o que isso quer dizer?
Como se pode afirmar que esses momentos são precisos, se uma pesquisa há semanas atrás revelou que sentir-se sozinho é tão prejudicial para a saúde quanto a obesidade? (clique aqui para ler a reportagem).
Falar sobre solidão envolve muitos aspectos. Abordarei alguns deles, que na minha percepção são indispensáveis, como a própria constituição do sujeito, a sociedade atual, e os modos de relacionamentos atuais.
Então, para começar, é importante expor a visão da Psicanálise para o tema. A solidão é entendida como uma condição inerente ao ser humano. Ou seja, desde que nascemos nos deparamos com sentimentos de desamparo, medo, angústia e separação. Não temos como fugir disso. Mas é com a ajuda das nossas primeiras relações que vamos aprendendo a lidar com tais sensações. Com relacionamentos iniciais seguros e satisfatórios, a tendência é que esses sentimentos normais a qualquer pessoa sejam fonte de aprendizado e criatividade, e não mais de terror e angústia.
Pensando por esta perspectiva, a solidão é, portanto, algo natural. Sendo assim, nós precisamos ao longo da vida aprender a lidar com ela.
Falando sobre nossa sociedade, e sobre os relacionamentos atuais, vivemos um tempo no qual somos empurrados e impelidos a funcionar de um determinado jeito – quem está fora desse padrão, costuma ser descartado. Somos constantemente convocados a mostrar e a provar aos outros o quanto nós somos amados, felizes, bem sucedidos, como temos amigos, além de uma vida social intensa. Caso contrário, em pouco tempo estamos fadados à exclusão.
Quem não está de bem com a vida todos os dias pode não ser desejado por perto, assim como alguém sozinho pode não ser muito bem visto.
A consequência disso é que a própria pessoa passa a se sentir inadequada quando não consegue se manter nesse ritmo, pois acredita não estar de acordo com o funcionamento à sua volta.
A felicidade estando destinada às pessoas com múltiplos relacionamentos, com bens materiais e que se sobressaem, pessoas sozinhas e sem qualquer desses atributos, consequentemente estão infelizes ou com algum problema.
Essa aceleração por si só causa um grande mal-estar em qualquer sujeito, pois faz com que naturais períodos de solidão sejam vistos como algo indesejado, preocupante e patológico, forçando muitas vezes a pessoa a continuar no ritmo, mesmo quando não sente vontade. Esse modo de vida contemporâneo, somado às vivências iniciais não constitutivas de confiança e segurança, podem acarretar verdadeiros abismos nas pessoas.
Duas saídas para a Solidão
A solidão busca vias de expressão, e pode ter duas saídas, dependendo de como vamos lidar com ela.
Na primeira, a pessoa pode perceber como um período natural, de recolhimento, por entender que é algo inerente ao ser humano, assim, utilizar esses momentos em que se sente solitária para pensar mais em si mesma.
É quando nos falta algo, quando somos frustrados, que buscamos formas para sair disso e a criatividade aflora.
A pessoa reflete sobre sua vida, seus sentimentos e relacionamentos. Pondera seu ponto de vista, suas atitudes com os outros, sua contribuição na sua vida atual, etc. Geralmente quando os períodos são vivenciados desta maneira, a pessoa sai renovada, com novos rumos pra vida, com novos desejos e novas ideias. Por isso se diz que pode ser “um período de criação”.
Ou, como segunda saída, a solidão pode ser sentida como algo negativo. Esse período nem ao menos é pensado ou representado na mente do sujeito. Por ser intolerável se sentir só, muitas pessoas tentam se livrar dessa sensação a qualquer custo, buscando freneticamente coisas que possam aliviar esses sentimentos, como fazer compras, abusar de drogas, remédios ou comida, estabelecer relacionamentos superficiais e nocivos, se colocar em situações arriscadas e perigosas, etc. A solidão é também sentida como um abandono – a pessoa desiste de encontrar conforto e compreensão externa, abandonando a si mesma, se isolando socialmente.
Necessária solidão
Sim, é realmente preciso viver esta solidão, pois é natural a qualquer ser humano. Pode ser um período confuso, de um verdadeiro afastamento de outras pessoas e de suas atividades, porém, é um período que tem fim, mesmo aparecendo por várias vezes durante a vida de alguém.
Para mim, uma frase que tem tudo a ver com o tema da solidão é de um grande Psicanalista, Winnicott – “Esconder-se é um prazer, mas, não ser encontrado é uma catástrofe”.
Com isso, nós podemos passar por momentos de solidão, porém, encontramos forças para sair por saber que existe alguém que nos espera. Por termos segurança que terá alguém para nos apoiar quando as coisas estiverem difíceis demais. O isolamento social não faz bem a ninguém.
Portanto, precisamos estar atentos às manifestações de solidão. Se for um período muito prolongado, no qual predominam sentimentos de incompreensão e vazio, é preciso buscar ajuda.
Porém, devemos ampliar a visão sobre o tema, pois solitário não é apenas aquele que está sozinho de fato, e sim, é a forma como se sente diante de si mesmo e de seus relacionamentos. É uma sensação interna. Como descrevi antes, a solidão pode muitas vezes passar despercebida pela própria pessoa e pelos que estão à sua volta.
Finalizando...
É um verdadeiro paradoxo. Todos nós necessitamos de períodos de solidão, mas também precisamos de relacionamentos afetivamente estáveis e seguros. A vida irá se equilibrando entre esses estados.
Assim, as duas questões levantadas no começo do texto são verdadeiras, pois, tanto a solidão pode ser fonte de criação para o sujeito, como pode ser fonte de isolamento e doenças.
Precisamos abrir espaço para que as pessoas possam viver isso sem temor. Podemos tirar muito proveito dos momentos de recolhimento, inclusive melhorar nossos relacionamentos, porque se colocar no lugar do outro e pensar sobre suas próprias atitudes é fundamental para um amadurecimento e para uma qualidade nas relações.
Nenhuma das “formas” de solidão será sem dor. No entanto, o que fará total diferença será a forma como ela poderá ser vivenciada, pensada, e qual fruto sairá daí.
